O FLUXO DO DINHEIRO NO NEGÓCIO DA SUSTENTABILIDADE

O FLUXO DO DINHEIRO NO NEGÓCIO DA SUSTENTABILIDADE

Vamos falar de sustentabilidade sem blá blá blá? O homem não ficou bonzinho e se tornou uma espécie de amante da natureza e dos recursos naturais de repente. Nem vai. O homem (como espécie, não como indivíduo) tem como objetivo maior sua sobrevivência e eventual supremacia sobre os demais indivíduos e espécies. Mas então por que o tema “desenvolvimento sustentável” se tornou tão latente recentemente? Teria sido só por conta da pandemia?

Ainda em janeiro de 2020, alguns meses antes da pandemia dominar a maior parte do mundo, a Black Rock, maior gestora de ativos do mundo, escreveu em sua já famosa carta anual aos CEOs [1]:

“Risco climático é risco de investimento”

E o que isso quer dizer?

“Por exemplo, o que acontecerá com as áreas afetadas por enchentes ou incêndios se não houver um mercado de seguros viável para esses eventos? O que acontece com a inflação, e por sua vez às taxas de juros, se o valor dos alimentos aumenta devido à seca ou às inundações? Como podemos modelar o crescimento econômico se os mercados emergentes veem sua produtividade cair como resultado das temperaturas extremamente altas e outros impactos climáticos?” – questionamentos trazidos por Larry Fink, CEO da Black Rock, na mesma carta citada acima e que exemplificam a correlação do risco climático com o risco de investimento.

Em outra carta redigida em janeiro de 2020 [2], também por Fink, mas desta vez endereçada a seus cotistas, ele atesta o compromisso dos portfólios da Black Rock com o desenvolvimento sustentável: “Até o final de 2020, todos os portfólios ativos e estratégias de consultoria estarão totalmente integradas a critérios ESG.”. Lembrando que ESG é a sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança, que nada mais é do que atestar o comprometimento da corporação com o impacto socioambiental de suas atividades e processos.

Claro! Afinal, como um investidor institucional com trilhões de dólares sob sua responsabilidade poderá encostar sua cabeça tranquilo no travesseiro, sabendo que uma catástrofe natural ou sanitária poderá colocar a vida e o patrimônio de seus fiéis cotistas em risco? Vamos além: como ele olhará nos olhos de seus clientes no dia seguinte e explicar que boa parte dos recursos deles estava alocada justamente nas instituições que contribuíram para tal evento ao longo dos últimos anos? ESTE É UM RISCO QUE ELE NÃO PODE CORRER.

A pergunta que fica é: por que adotar este posicionamento mais incisivo justo agora? Por conta da pandemia?

Negativo. A pandemia será apenas um catalizador para o movimento que já aconteceria naturalmente. Este é o momento certo porque a situação atingiu o seu limite.

Chegamos ao ponto em que a irresponsabilidade socioambiental do momento não afetará apenas às gerações futuras, mas sim às gerações presentes. 

Esta é a questão! Enquanto a problemática era distante de nossa realidade, ou seja, com consequências apenas para nossos bisnetos ou tataranetos, o assunto não era urgente. Afinal, seria fácil e confortável concluir que até lá alguém já teria chegado a uma solução. Uma forma delicada de dizer “este problema não é meu”.

Isto posto, estamos diante de uma realidade em que não chegamos à solução “mágica” para o desenvolvimento econômico sem o risco climático e nos deparamos com uma ameaça àqueles instintos de sobrevivência e supremacia. Em uma outra oportunidade detalharei melhor aqui quais são esses tais riscos climáticos e qual seria o deadline para mitiga-los sem consequência catastróficas para a humanidade.

Fato é que os sucessivos desastres naturais e sanitários ligaram o sinal de alerta e precisamos agir. Ao longo dos últimos meses já está sendo possível notar um engajamento sem precedentes com a temática ESG por parte dos mais diversos agentes de mercado. Se até meados de 2019 tínhamos apenas três fundos de investimento focados neste tema (o Santander FIC FI Ethical Ações, o Fama Ações FIC FIA e o Constellation Compounders ESG FIA) [3], apenas nos últimos 12 meses já foram lançadas seis novas opções [4]:

  • Warren Green FIA – BDR Nível I, lançado em setembro de 2019 pela gestora Warren;
  • SulAmérica (Total Impacto FIA), vendido desde dezembro do ano passado;
  • JPG ESG FIC FIA, da gestora JPG; e
  • Três só da XP Asset Management lançados em 2020:
    • Trend ESG Global
    • Selection ESG
    • JGP ESG Ações 100 Prev XP Seg FIC FIA.

E este número ainda pode dobrar até o final do ano com novos fundos sendo estruturados por outras gestoras.

Vamos entender melhor as consequências deste movimento em números. Na tabela abaixo [5] está exposto o percentual de recursos negociados na B3 por classe de investidores em maio de 2020. Note que apenas 23% vêm de investidores pessoa física, enquanto praticamente 77% dos recursos comercializados na nossa bolsa são geridos por investidores profissionais.  

Junte agora essa informação com o tom de voz de Larry Fink em sua carta aos CEOs. A mensagem é clara: caros CEOs, se vocês querem meus recursos, é melhor vocês mostrarem responsabilidade com os princípios de ESG.

E é importante salientar que o discurso não se aplica apenas às empresas de capital aberto; o movimento é ainda maior quando falamos de private equity, setor totalmente dominado pelos investidores profissionais.

Não podemos deixar de lado ainda as debêntures verdes, chamadas greenbonds. A Moody’s projeta que o mercado global de ‘dívida verde’ chegue a US$ 400 bilhões este ano, uma alta de 60% com relação a 2019 [6]. No Brasil, ainda se trata de um mercado incipiente, que movimentou US$ 5,3 bilhões entre 2014 e 2019, mas com uma perspectiva de crescimento exponencial nos próximos anos.

Retomando ao cenário da B3, o que vai acontecer então a partir do momento em que 77% dos gestores dos recursos alinharem suas tomadas de decisão em uma direção ESG? Na Expert deste ano, Bruno Constantino, CFO da XP, deixou claro em sua conversa com Adena Friedman, CEO da Nasdaq, que a XP vinha sendo pressionada por seus shareholders a estruturar uma política interna de desenvolvimento sustentável. Isto culminou na criação da diretoria de ESG da companhia há poucos meses. A XP está listada na Nasdaq e não na B3, é verdade, mas serve para exemplificar uma tendência de movimento clara: é para empresas com este tipo de iniciativa que migrará grande parte desses recursos até que ser ESG se torne o novo normal.

Precisaremos ainda tomar cuidado com a avalanche de greenwashing por vir, que se trata da injustificada apropriação de virtudes ambientalistas mediante o uso de técnicas de marketing e relações públicas por parte das organizações. Ou seja, veremos muitas empresas vendendo fumaça. O que é normal, uma vez que nem todos conseguirão se convencer, apesar da pressão dos shareholders, de que investir em atividades e processos de impacto positivo não significa abrir mão de rentabilidade; muito pelo contrário, significa gestão de risco e atração de investimentos de longo prazo.

Caberá então a esses capacitados gestores dos recursos saber diferenciar o que é real do que é artificial. Fato é que, sendo greenwashing ou não, os executivos estão sentindo a pressão e o processo de seleção natural vai acontecer. Com o passar do tempo os consumidores engajados com o consumo consciente também saberão diferenciar cada vez melhor essas práticas. Esta será a verdadeira transformação do greenwashing em greenwishing, termo que reflete as reais boas intenções de iniciativas socioambientais corporativas.

Referências:

[1] Carta da Black Rock aos CEOs – Uma mudança estrutural nas finanças

https://www.blackrock.com/br/larry-fink-ceo-letter

[2] Carta da Black Rock aos acionistas – Sustentabilidade como o novo padrão de investimento da BlackRock

https://www.blackrock.com/br/blackrock-client-letter

[3] Fundos ESG no Brasil até junho de 2019

https://gorila.com.br/gorilando/artigos/fundos-esg/

[4] Conheça quais investimentos sustentáveis estão disponíveis para o brasileiro

https://valorinveste.globo.com/produtos/fundos/noticia/2020/07/14/conheca-quais-investimentos-sustentaveis-estao-disponiveis-para-o-brasileiro.ghtml

[5] Valor movimentado na B3 em maio de 2020 por classe de investidor

https://www.sunoresearch.com.br/artigos/mercado-de-acoes/

[6] ‘Green bonds’: você ainda vai emitir um…

https://braziljournal.com/green-bonds-voce-ainda-vai-emitir-um